sábado, 17 de abril de 2010

Canção

Quero um dia para chorar.
Mas a vida vai tão depressa!
- e é preciso deixar contida
a tristeza, para que a vida,
que acaba quando mal começa,
tenha tempo, de se acabar.
Não quero amor, não quero amar…
Não quero nenhuma promessa
nem mesmo para ser cumprida.
Não quero a esperança partida,
nem nada de quanto regressa.
Quero um dia para chorar.
Quero um dia para chorar.
Dia de desprender-me dessa
aventura mal entendida.
sobre os espelhos sem saída
em que jaz minha face impressa.
Chorar sem protesto. Chorar.


Cecília Meireles

Louco

Não, não é louco. O espírito somente
É que quebrou-lhe um elo da matéria.
Pensa melhor que vós, pensa mais livre,
Aproxima-se mais à essência etérea.

Achou pequeno o cérebro que o tinha:
Suas idéias não cabiam nele;
Seu corpo é que lutou contra sua alma,
E nessa luta foi vencido aquele.

[...]


Junqueira Freire

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Preparação para a morte

A vida é um milagre
Cada flor,
com sua forma, sua cor, seu aroma,
cada flor é um milagre.
Cada pássaro,
com sua plumagem, seu vôo, seu canto,
cada pássaro é um milagre.
O espaço, infinito,
o espaço é um milagre.
O tempo, infinito,
o tempo é um milagre.
A memória é um milagre.
A consciência é um milagre.
Tudo é milagre.
Tudo, menos a morte.
— Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres.


Manuel Bandeira

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Soneto de Fidelidade

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.


Vinicius de Moraes

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Poética




"Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação."


Manuel Bandeira

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Ismália





Quando Ismália enlouqueceu,

Pôs-se na torre a sonhar...

Viu uma lua no céu,

Viu outra lua no mar.


No sonho em que se perdeu,

Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,

Queria descer ao mar...


E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...

Estava longe do céu...

Estava longe do mar...


E como um anjo pendeu

As asas para voar. . .

Queria a lua do céu,

Queria a lua do mar...


As asas que Deus lhe deu

Ruflaram de par em par...

Sua alma, subiu ao céu,

Seu corpo desceu ao mar...


Alphonsus Guimaraens

terça-feira, 6 de abril de 2010

Bilhete




Se tu me amas, ama-me baixinho

Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim, tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...


Mário Quintana

O auto - retrato



No retrato que me faço
- traço a traço -
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore...
às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança...
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão... e,
desta lida, em que busco
- pouco a pouco -
minha eterna semelhança,
no final, que restará?
Um desenho de criança...
Corrigido por um louco!

Mário Quintana

domingo, 4 de abril de 2010

Lisergia!



" Agitação excepcional acompanhada por uma ligeira tontura, uma espécie de embriaguez não desagradável, caracterizada por uma atividade extrema da imaginação. Enquanto estava num estado de obscuridade com os meus olhos fechados, senti a luz do dia como sendo extremamente brilhante. Um fluxo ininterrupto de imagens fantásticas dotadas de uma plasticidade e vivacidade excepcional, acompanhada por um jogo caleidoscópio de cores."


Albert Hofmann